Adriane Figueira é paraense, nascida e criada às margens do Tapajós. Perdida e achada na capital paulista. Entusiasta da escrita e pesquisadora. Publicou Revoada do dragão (Editora Patuá) em 2021, e Voragem (Editora Folheando) em 2022.
Escrever leva tudo
o inominável
o insólito
o impossível.
Busco signos que comunicam o contrário do que gostaria.
Eles gritam o absurdo da existência inconsciente, inconsequente.
Na paixão que avança, o vento uiva e espalha a chama.
As águas devoram o todo que é resto de quase nada.
A areia enterra os fragmentos invisíveis que ferem os olhos.
Sangram as palavras.
morder a palavra
lamber o silêncio
sangrar o tempo
ㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤa tempo de conjurar
a liquidez do verbo
ㅤㅤㅤㅤtrans
ㅤㅤㅤㅤㅤ ㅤ bordar
A mulher sonha com o gesto inalcançável do agora.
O rosto dissolve a saudade do que não veio.
O corpo rasteja, tateando o inferno com as mãos, os joelhos e os seios.
O coração colapsado dentro do vazio vago do peito…
Palavras — criações diabólicas
que aspiram o paraíso das chamas que nunca viram cinzas.
Fogo posto
Flama incorruptível
Criadora de tudo o que não pôde ser.
Canção para a minha senhora de mim
O teu corpo é tierra ajena, teu olhar é mistério desejante.
Queria poder tocar tuas mãos e naufragar nas tuas metáforas…
poesia e palavra.
Viver contigo o sonho dos líricos desvairados, dançar ao som do reggaeton lento… suspiro e suor num sussurro intenso.
Atravessa essa distância e corre comigo contrariando o vento.
Me deixa entrar na tua casa, abre tuas janelas que prometo ficar e ser ouvido atento, canto melodioso.
Eu te amo de amor não domesticado, de carinho apaziguado, de fôlego renovado.
Eu te quero como és, na tua louca ideia de tempo e espaço.
Mulher imensa que não mede afeto, sorriso largo com estrelas no rosto, águas fartas, delírio morno.
Sou o teu pronome declinado.
sou a borda do labirinto
um quarto de espelhos partidos
de paredes infiltradas
afeto líquido
Fotografia: Fortaleza de Nossa Senhora da Conceição de Villegagnon – Marc Ferrez (Coleção Gilberto Ferrez/Acervo Instituto Moreira Salles).
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O novo livro de Adriane Figueira está em pré-venda! Você pode adquirir cacos retidos na margem (Cachalote, 2024) na nossa loja virtual ou conferir os pacotes de recompensas na plataforma Benfeitoria.
Mais sobre a obra
“Eu nunca escrevi diários! Isto aqui é um extravasamento, um inventário estilhaçado, sem datas fixas no calendário, sem horários demarcados — guiado por Kairós”. Assim escreve no preâmbulo a autora de cacos retidos na margem, nomeando Kairós como preceptor de sua jornada entre a prosa e a poesia e, nesse simples ato, recusando a medida, a exatidão e a linearidade.
O tempo da palavra de Adriane Figueira é o do extravasamento. Os textos desse livro são desenhos sutis, quase oníricos, de um labirinto de memórias e vertigens que, solitário e vigilante, assoma como possibilidade de um contágio verbal que desoculta as tempestades da nossa experiência.